Miss França

Protagonizado pelo modelo Alexandre Wetter, indicado ao César, filme discute identidade de gênero

Um delicado seguidor da seara da qual se farta A Garota Dinamarquesa (flertando com os tons cômicos de A Gaiola das Loucas), Miss França conta a história de um garoto, Alex, que deseja se tornar a Miss França. Deixando adormecido o sonho até tornar-se um jovem adulto, de repente percebe que a vida não terá sentido se não tentar. E aí, contra todas as probabilidades, ele começa a trilhar a estrada rumo ao topo.

É um filme sobre lidar com a aceitação de si, certamente. Alcançar o final da jornada, desde sempre, não parece ser o mais importante, mas sim a trajetória, a relação com quem está ao redor, as amizades que não só assistem e apoiam o personagem principal mas compartilham de suas dores – uma identificação entre todos os seres principais da narrativa que enfraquece a originalidade, mas que sempre funciona se o que se deseja é que o público que assiste fique do lado do personagem principal.

Miss França

O diretor luso francês Ruben Alves (de Uma Família de Dois) escreve e dirige o filme, e consegue extrair um bom trabalho de Alexandre Wetter, indicado ao César pelo trabalho aqui: seu natural fenótipo andrógino nunca é usado para caricaturar Alex; pelo contrário, o comportamento sempre excessivamente contido nos traz incômodo e um certo ar desesperador de submissão aos sabores do acaso. Surpreendemente, porém, o personagem extrai obstinação e retidão de propósitos (ajudado, certamente, pela falta, ao longo do filme, de excessivos momentos de preconceito – esse desejo da narrativa em proteger o garoto de outros problemas enquanto busca alcançar suas metas é um outro problema da trama, deixando o filme com um certo ar de Sessão da Tarde).

Os atores e as atrizes estão bem, no geral, exemplificando uma vez mais a escola mais atraente do cinema francês: o humor irônico e sempre asséptico: não há poluição nas interpretações, não se espera nada excessivamente sujo ou grosseiro, mesmo em situações realisticamente duras e com personagens marginais.

Miss França

Uma sacada inesperada do filme é a experiência que Alex tem numa academia de boxe onde trabalha: lá ele aprende com um professor a ter mentalidade vencedora (ok, já vimos isso antes; mas não se espera que ocorra aqui nesse ambiente). Em outro bom momento, recebe de uma prostituta veterana (à la Morla, de História Sem Fim) dicas sobre passar-se por mulher. Esses e outros momentos demonstram que Alex busca se aceitar definitivamente, mas o foco não recai sobre a decisão aparentemente óbvia de transformá-lo em trans; ao invés disso, ele não parece em nenhum momento demonstrar que não se veja como de gênero masculino. Caso venha a tomar essa decisão posteriormente ao que vemos em cena, não foi interesse da trama contar.

Os momentos em que Alex enfrenta preconceito ou agressão são usados para um escape sentimental; e o fim da trajetória tem uma boa condução. Algumas tiradas cômicas são divertidas (ver a reação das candidatas do concurso de Miss França ao saber que viajarão a um país vizinho). No resumo, um filme com um quê de irregular, com muletas narrativas batidas, mas também com delicadeza de condução em vários momentos. Vale assistir.

Nota: 6/10

Por Marcelo Barreto

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