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Dora e Gabriel

O que aproxima “Entre Quatro Paredes“, texto de Jean-Paul Sartre, Festa (1989, do próprio Ugo Giorgetti) e A Bruxa de Blair (1999)? Bem, respondo: todos eu classifico como cinema claustrofóbico. São histórias que se passam quase que inteiramente em um único ambiente, situação que permite explorar e exaurir todos os detalhes das características físicas dele e características humanas dos personagens submetidos a ele.

Há exemplares maravilhosos deste tipo de cinema, como Festim Diabólico (1948) de Alfred Hitchcock, mas há, também, resultados pouco eficientes. De todo modo, é sempre uma proposta interessante e, se nas mãos de um bom cineasta, mesmo com resultados medianos, sempre gera boas conversas.

Então, como um texto criado a partir de reuniões de intelectuais da Unicamp que contribuíram para que o próprio Giorgetti o produzisse, Dora e Gabriel tem um roteiro que deseja ressaltar a célebre frase “O inferno são os outros”, da peça do filósofo francês citada acima e que filmes assim sempre parecem querer reverenciar.

Dora e Gabriel

Dora e Gabriel

Neste seu projeto de 2020, o diretor paulista resolveu retomar esse tipo de narrativa: dissecar a clausura à qual submete um libanês de meia-idade e uma mulher, presos no porta-malas de um carro durante um assalto seguido de sequestro.

Pensando em algo de inspiração “lynchiana” (que brinca com as referências indígenas em Twin Peaks, por exemplo), coisas são postas em frente aos nossos olhos (olhos e observações visuais, aliás, são presença importante) mas não são necessariamente utilizadas. Mantenha-se atento o tempo todo acerca desse detalhe, para que você cumpra o papel de bom observador, coisa que o filme valoriza.

De maneira proposital, aqui, os personagens não são descritos com maior profundidade, e a narrativa prefere apenas delineá-los. De maneira geral, enfim, o diretor escolhe apresentar e em seguida não explorar as situações esperadas e bastante batidas decorrentes do aperto pelo qual Dora e Gabriel passam.

Um filme realista?

Cito, a título de curiosidade, uma aura erótica que se faz presente, e confesso que passei o tempo inteiro torcendo para que o longa não descambasse para a mesmice, nesse sentido. Retomo que é compreensível a intenção de não cair nos clichês, e é um empenho louvável.

Se a intenção é fazer com que foquemos quase que completamente no abafamento, na dificuldade de respiração, na poeira, nos sons, na dor física do submetimento a um espaço limitado, contudo, não alcança seu intento plenamente pois, nesse caso, dependeríamos de um enfoque na nitidez dos sons de dentro e de fora do porta-malas; os sons de fora ficam abafados e em alguns momentos são previsíveis. As falas externas ao espaço de clausura são caricatas e clichês; são essas pisadas na bola que diminuem a qualidade geral; em especial, a qualidade do som que vem de fora do porta-malas, que deixa realmente a desejar.

Alguns “ovos de Páscoa” são distribuídos ao longo da trama, e pelo menos um deles acaba por escancarar o final, o que é uma pena; entretanto, como remete a um misto curioso de George Romero com o próprio Sartre, a última cena é divertida.

Giorgetti adora fazer filmes assim: além do já citado “Festa”, comandou Sábado (1995) e Uma Noite em Sampa (2016). Penso que deveria ser essa sua última obra claustrofóbica pois, dentre todos esses, Dora e Gabriel é o menos inspirado. Posso indicá-lo, entretanto, para que tem interesse nesse tipo de minimalismo espacial.

Nota 6/10

Por Marcelo Barreto

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